As Raízes do Tempo

🕠

As Raízes do Tempo 🕠

Texto escrito pela historiadora francesa Gaya Goldcymer para a exposição As Raízes do Tempo em Paris, do dia 18 ao 27 de Março 2022

O Mestre do Tempo

A partir do

Primeiro confronto com o espaço posto em movimento e ritmo por Daniel Nicolaevsky Maria, o olhar do espectador é submerso pela multiplicidade de relógios que se desdobram no espaço.

O relogio,

ou "gnomon", esta forma geométrica perfeita que pode ser hemisférica, ou plano horizontal ou plano vertical, mas que também pode ser esférica.

Ainda aqui, o artista decidiu colocar relógios em formatos diferentes, cores diferentes, materiais diferentes mas decidiu apostar numa forma única: circular.

então aqui,

os relógios de Nicolaevsky Maria. Variações de superfícies coloridas que nos fazem regressar à Antiguidade, e que nos fazem sonhar com os antigos relógios das horas temporárias, os heliotrópios e os relógios de sol, que marcam as horas tropicais ou equinociais, ou ainda no meridianos astronômicos, aqueles que marcam o meio-dia solar, os solstícios e os equinócios.

Daí

o círculo, uma forma perfeita, que incessantemente dá voltas e se renova em perpetuidade. O círculo, símbolo de unidade, movimento perpétuo, completo, infinito e eterno na sua constante diferença, o círculo, que representa o ciclo da vida, renovação e renascimento, a roda e o movimento da vida: onde o mesmo se torna outro.

Então, lentamente

começamos a atravessar o espaço e mergulhamos em outra dimensão, em outra temporalidade. Como em ressonância com a viagem que o artista nos oferece, passamos de um relógio a outro, de um arco, a outro. E nessa travessia, lentamente tomamos consciência de nosso corpo como espaço e, em sincronia, também tomamos consciência deste tempo agora modificado pelo artista. O mesmo acontece quando se olha para os relógios Xifópagos das "pequenas gêmeas" ou para o dueto de "Amor e Tempo".

No entanto,

assim que nos aproximamos, quando nos posicionamos em contato total com esses relógios, descobrimos que, se alguns ponteiros giram na direção do tempo, outros giram contra o tempo... como um jogo de pausas, paradas e suspensões mas também de ligações e continuum. Como a materialização do mistério do espaço e do tempo.

Mas também

o mistério das cores, seus prismas, o mistério das extravagantes gamas cromáticas de Nicolaevsky Maria que nos leva a uma onda de azuis, azul meia-noite, azul cobalto, azul pato, azul cerúleo, uma onda de amarelos e laranjas, cobres, vermelhos e bis, uma onda de branco, branco de neve, branco de ceruse e novamente: preto.

E até mesmo,

uma espiral luminosa em neon, como um mini labirinto ecoando as espirais de cordas formando mostradores e relógios, cordas e fios formando texturas e tato, cordas atadas, trançadas pelo artista e com as quais ele também brinca para torná-la como uma escrita que ele coloca e desenha nas paredes.

Uma escrita feita de torções, rabos de cavalo, nós lisos ou deslizantes e festões como homenagem às obras sinestésicas de Kandinsky, onde o som está ligado à cor, onde o visual se torna música.

E assim

na dança, em transe, em seu vídeo, Nicolaevsky Maria nos lança em seu mundo de plantas, folhas, pétalas, bolas de algodão, flores feitas de suavidade absoluta e pequenos espinhos. E observamos, maravilhados, a lentidão do movimento quase imperceptível das plantas, sua transparência e sua presença intensa: mágica. As plantas como uma ode à vida, "Vivere Memento", como que para nos lembrar o que é a vida: natureza, espaço, movimento.

E o movimento

da vida, das plantas, do mundo e a do artista quando performa e que se solta de laços reais, de correntes de cordas tangíveis e intangíveis, materiais ou imateriais que o amarram e das quais ele se desfaz. Em majestade.

Gaya Goldcymer

Paris, França

Março de 2022

 

Xipofagia Temporal n.02

2021

Corda, relógio, tempo

105 x 41 x 5 cm

R$ 3.700

Na teratologia, ciência que estuda as anomalias congênitas e hereditárias dos seres vivos, os xifópagos são seres duplos em um único corpo, ligados do esterno ao umbigo comum. Inspirado na obra de Tunga e baseado no manifesto antropófago brasileiro, apresento aqui seres duplos que se alimentam, comem e vivem graças a esse vínculo trançado entre eles. Representação do cordão umbilical.

Seu tempo de existência é simultaneamente criado e digerido.

 

Relógio do amor e do tempo

2021

Corda, relógio, tempo

80 x 38 x 5 cm

R$ 4.500

“Ela vai fugir dele novamente. Vão a um café, no rio, para “matar o tempo antes que parta”. Já é noite. Eles vão ficar lá por mais algumas horas. O amor deles aumentará em proporção inversa ao tempo que resta antes do avião partir na manhã seguinte.”

É deste trecho de Hiroshima meu Amor, de Marguerite Duras, que imaginei esta peça. Duas entidades intimamente relacionadas, o Amor e o Tempo. Ele, que atravessa o livro devagar, é quase persona tal qual a francesa e o japonês. Ele seria até o antagonista da história de amor durante as filmagens em Hiroshima. Periodicamente deve ser "matado", esquecido, adiado, para que o amor deles se extenda e exista um pouco mais.
Nesta peça, o Amor, acima, roda ao contrário. Quanto a ele, o Tempo, traça sua rota habitual.


Em um único momento do dia, eles estarão juntos.

O tempo de se amar e continuarem a caminhar em caminhos opostos.

 

Como corrigir os erros do passado?

2021

Corda, relógio, tempo

100 x 70 x 5 cm

R$ 7.000

Exu matou um pássaro ontem, com uma pedra que só jogou hoje.

Este ditado iorubá, vindo do Oeste da África para o Brasil durante período mercantil de pessoas pretas ao país, virou nos últimos anos símbolo de resistência da luta igualitária e luta anti racista. O pássaro, que seria a institucionalização de práticas racistas no mundo, vem sendo matada pedra por pedra, pouco a pouco desde a ancestralidade.


”Como corrigir os erros do passado?” se torna frase iniciadora da regressão temporal afim de requestionar a linearidade da história negra.

Tranço nesta peça um novo tempo de existência, através de uma hypnose cinestésico ao mesmo tempo antiga e atemporal.

O objeto conta e vira história através do movimento dos ponteiros. Possibilitando uma ressignificação do passado a fim de rever o presente.

 

Mestiço

2021

Corda, relógio, tempo

140 x 35 x 7 cm

R$ 4.350

Quantas historias um corpo mestiço destro de si? Como unir em um so recipiente, a historia dos povos brancos e dos povos pretos? Seria a historia predominante esta que pinta a minha pele? Ou sou fruto de ambas as temporalidades que fizeram a existência do meu ser vir a vida? Como ser esse ser capaz de unir e pensar a coletividade preta e branca e lidar com a dualidade interna de todo dia de não ser nem um, nem outro, e ao mesmo tempo ambos?

 

O Coelho Branco n.02

2021

Corda, relógio, tempo

70 x 40 x 5 cm

R$ 3.500

Analogia concreta com o coelho de Alice no País das Maravilhas e sua obsessão pela busca do tempo perdido. De fato, no livro de Lewis Carroll de 1865, o coelho se introduz no romance pelo seu atraso. Sua constante busca por mais tempo, sendo carregado em uma euforia de movimentos e produtividade, se torna imagem da nossa sociedade consumista contemporânea, fruto da revolução industrial e do invento das maquinas. 

Inverter o movimento do coelho, fazer a corrida para frente perder seu sentido inicial, se torna manifesto por um mundo mais lento e mais devagar, no qual o tempo se torna matéria maleável e escultórica.

 

Construção Social

2021

Corda, relógio, tempo

100 x 41 x 5 cm

R$ 4.000

Tal qual tempo, aparato hoje usado para consumirmos corpos humanos, nos impulsionando em uma performatividade da humanidade, o gênero é também questão de performance. Para Butler, gênero é um ato intencional, um gesto performativo que produz significados. Criatura do imaginário humano.

 

Time + Gravity = Light

2022

Escultura de neon

Edição limitada 1/12

90 x 40 x 9 cm

R$ 12.000

Não há brecha no tempo.

Vivere Memento

2022

Video 4K 14m 74s

R$ 6.000

Não podendo dançar, fiz minhas plantas dançarem.

Observar os movimentos da natureza é uma forte inspiração para dançarinos e coreógrafos contemporâneos, os leões para Xavier Le Roy ou jardinagem para Steve Paxton (inventor da dança contato) e Hijikata (inventor do butoh).

Durante este(s) confinamento(s), fiquei atento ao movimento das minhas plantas de interior. Na minha sala de reclusão e contenção observo plantas que, como eu, migram e se enraízam para além da nossa terra natal. Por meio de uma série de vídeos, quis repensar os termos "natureza morta" e "memento mori", formas pictóricas encontradas desde a antiguidade nas

histórias da arte. Uma série de vídeos animados pelo tempo e pelas plantas, pinturas modernas de natureza viva. Mas que ao contrário das pinturas clássicas sobre a

vaidade em que se destacam a morte, lembranças da mortalidade humana ou objetos da

indústria memento vivere lembra a vida, na tradução literal do latim, lembre-se de que você está vivo.

Flores secas, plantas da América do Sul e da Ásia, relogios entrelaçados com o tempo correndo para trás e frutas revelam uma composição abstrata da quarentena. Cada vídeo foi filmado por aproximadamente vinte e quatro horas.

Este projeto foi o vencedor do prêmio GIDE 2021, sendo exibido em telas de dois metros de altura nos escritórios da Gide Loyrette Nouel durante 3 meses.